
Os efeitos financeiros da concessão do benefício previdenciário mediante a regularização da contribuição durante o curso do processo judicial
A legislação previdenciária é complexa e, ao mesmo tempo, delicada porque trata de direito fundamental. Cabe ao INSS a tutela previdenciária. Ao longo dos anos, as formas e as opções de contribuição alteraram-se e, em diversas ocasiões, a concessão do benefício encontrou obstáculo na necessidade de regularizar a contribuição, seja porque o segurado contribuiu abaixo do salário mínimo ou porque recolheu, vinculado ao regime simplificado ou baixa renda, o que, em diversas oportunidades, culmina no indeferimento do benefício decorrente da insuficiência de contribuições mínimas. Com base nessa premissa, o segurado é obrigado a judicializar a pretensão e regularizar as contribuições durante o curso do processo judicial.
A consequência disso é o questionamento dos efeitos financeiros decorrentes dos efeitos constitutivos do benefício, pois há correntes jurisprudenciais que entendem que tais efeitos se dariam somente com base no ato que regularizou a contribuição, em que se discute se o segurado tem direito aos efeitos financeiros desde a data da entrada do requerimento administrativo ou em data posterior, considerando-se a data da consolidação das contribuições por meio da complementação desses valores.
A hipótese é complexa, pois envolve a política pública atinente à universalidade de cobertura e atendimento previdenciário, bem como equidade na forma de participação do custeio da seguridade social. No caso do segurado facultativo baixa renda, o programa destina-se à inclusão desse segmento da sociedade na condição de segurados do Regime Geral de Previdência Social, permitindo que o segurado de família de baixa renda, que não possua renda própria e exerça atividades domésticas em sua residência, possa contribuir com percentual menor. Em diversas ocasiões, tais contribuições não são validadas pelo INSS, e não é oportunizada a complementação ao segurado, deixando-o em situação de vulnerabilidade. O mesmo ocorre no caso de contribuição previdenciária inferior ao salário mínimo pós Emenda Constitucional n.º 103/2019, pois inclui-se alteração na lei, determinando ao segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido.
Assim, é necessário avaliar a atuação e responsabilidade do ente público detentor da tutela previdenciária a respeito da orientação do segurado em observância ao Princípio da Oficiosidade em relação à condução do processo administrativo, cuja finalidade é resguardar os direitos dos segurados. Outrossim, no momento do requerimento, o segurado contava com a contribuição decorrente de fato gerador contemporâneo com o devido recolhimento na época, porém necessitando de complementação para sua validade, cujo fato é facilmente detectável pela previdência social.
A regularidade das contribuições é pressuposto para preenchimento do requisito da qualidade de segurado e deve ser aferido anteriormente à concessão do benefício. Porém, o sistema permite recolhimento das contribuições na proporção reduzida, sujeitando-as a uma posterior validação (ou não) pela autarquia previdenciária, o que, geralmente, ocorre por ocasião do requerimento administrativo. Tal procedimento gera situações em que há recolhimentos que, eventualmente, não são aceitos pela administração no momento da concessão do benefício, seja porque o indivíduo não estava cadastrado como segurado facultativo de baixa renda no CadÚnico, seja porque não se enquadra nessa condição para fins de validação de recolhimento ou porque possui contribuições abaixo do salário mínimo (Emenda Constitucional n.º 103/2019, no seu inciso I, artigo 29).
Correntes contrárias defendem que a regularidade das contribuições é pressuposto imprescindível para o preenchimento do requisito carência mínima do benefício e que, nesses casos citados, o direito se constitui, somente, com a regularização com seus efeitos financeiros a partir desse momento.
A matéria diz respeito à relevante questão de inclusão social, e, por outro lado, à necessidade de zelo pela regularidade na concessão dos benefícios, evitando-se tratamento discriminatório para segurados em idêntica situação, que não tenham recolhido, oportunamente, a integralidade das contribuições sociais devidas.
A ação previdenciária concretiza valores para a sobrevivência digna do indivíduo e o julgamento do bem da vida, excluindo o dever de orientação do INSS no processo administrativo para burocratizar a atividade jurisdicional, não sendo razoável desconsiderar o ônus de cooperação deste. Não se pode inverter o ônus na condução do processo administrativo diante da evidente hipossuficiência informacional e digital do segurado em relação a inúmeros dispositivos legais que fornecem a diretriz para a atuação da autarquia previdenciária.
É irrazoável a exigência que o indivíduo conheça a complexa legislação previdenciária de modo a pontuar seus direitos e pedidos por si só diante das instituições, assim como deve-se considerar que o segurado promove sua inscrição, escolha do regime e recolhimento prévio da contribuição, por conta própria, com o objetivo de resguardar futuros direitos de natureza previdenciária, o que implica a confiança e a boa-fé depositadas no sistema de previdência pública.
O ponto principal consiste em definir se o INSS conduziu o processo administrativo atendendo aos princípios e normas administrativas e se oportunizou ao segurado a regularização ou complementação da contribuição. Nesse diapasão, é evidente que o INSS tem pleno conhecimento da irregularidade no período contributivo diante dos motivos que indeferiram o benefício; principalmente se foi pautado na falta de período mínimo de carência ou tempo de contribuição. Ao julgar a demanda, o juiz pode sopesar todos esses elementos e decidir, também, com fundamento da equidade para concretização do direito fundamental à subsistência pela proteção social e tornar a decisão mais justa diante da circunstância do caso concreto.
Do contrário, privar o segurado de recursos materiais — diante da alteração dos efeitos financeiros do benefício previdenciário, decorrente da má condução do processo administrativo —, necessariamente, atinge aquilo que o segurado sempre confiou, pois lhe frustra parte do direito fundamental pleiteado, fruto do trabalho e da contribuição.
Evidentemente, penalizar o indivíduo com a privação de recursos financeiros pelo desconhecimento da complexa legislação previdenciária é reconhecer, parcialmente, o direito fundamental e premiar a Administração Pública com o enriquecimento sem causa beneficiando-a com sua própria omissão. Nesse sentido, há inúmeras normas e orientações no sentido de promover a regularização, a complementação e a validação da contribuição.
A caracterização da falta de cooperação do INSS é revelada no momento que expõe os motivos pelos quais indeferiu o requerimento administrativo e, não raras vezes, a razão refere-se à falta de tempo de contribuição ou carência, o que leva à conclusão lógica quanto ao questionamento por não ter oportunizado a regularização.
O pleito previdenciário é direito fundamental e inseparável do dever de orientação do INSS. O direito fundamental é vinculado à preservação da vida e ao dever de assegurar a sua máxima proteção. A função jurisdicional deve ser cumprida com efetividade, com adequada tutela jurisdicional como Princípio Processual de Efetivação dos direitos fundamentais sociais e evitar violação destes diante da privação de recursos materiais.
É uma linha tênue para o julgador estabelecer o momento do direito constituído e o fundamento jurídico capaz de retroagi-lo em seus efeitos financeiros. No caso de complementação/regularização da contribuição previdenciária no curso do processo judicial, além dos requisitos pertinentes ao benefício, o julgador deve observar os princípios e regras que regem qualquer processo administrativo, e que estabeleçam um liame com a posição do segurado diante da previdência social enquanto pessoa hipossuficiente.
A complementação ou regularização da contribuição previdenciária no curso do processo judicial é fato superveniente que assegura ao beneficiário o direito desde a data do requerimento diante da caracterização da falta de orientação e esclarecimento do INSS. A contemporaneidade do ato não implica a retirada dos efeitos jurídicos da contribuição desde a data do recolhimento incorporado ao patrimônio jurídico do segurado. É preciso observar o Princípio da Primazia do Acertamento das decisões judiciais a respeito da total proteção social, numa perspectiva que não admite o sacrifício de direitos, sendo inaceitável a mutilação mediante a supressão de parcelas que o constituem, de maneira que o ônus estatal intervenha sobre o segurado hipossuficiente informacional. Esta é a busca incessante da justiça com o conhecimento concreto em favor dos princípios humanitários, em que os formalismos absorvem e esgotam as controvérsias factuais.
Portanto, é legítima a expectativa de uma tutela previdenciária que atenda a dignidade, existência digna, direito social à previdência e proteção da família (primazia dos direitos humanos). O segurado merece proteção social eficaz e integral, e o processo judicial deve servir como meio de efetivação de justiça na busca do justo, pois a jurisdição previdenciária exige um esforço maior da efetivação da proteção social, ultrapassando o pensamento redutor da justiça escrita, evitando a privação de recursos financeiros do segurado.
O direito fundamental vinculado à preservação da vida e o dever de assegurar a sua máxima proteção como forma de concretizar o Princípio da Universalidade de cobertura dos riscos sociais deveria levar os efeitos financeiros da concessão do benefício a retroagirem sempre à data do requerimento em todas as situações em que o INSS não cumpriu seu ônus de orientação, condução do processo administrativo e, principalmente, permitir a regularização ou complementação de contribuição previdenciária para a finalidade pela qual o segurado provoca a previdência social.